No próximo dia 30, acontece o lançamento de um livro que busca resgatar histórias de repressão vividas por diversos grupos sociais que atuaram na cidade de São Paulo entre os anos 1924 e 1954. A obra São Paulo, Metrópole das Utopias – histórias de repressão e resistência no arquivo do Deops traz 17 artigos, escritos por 19 autores, sendo todos eles pesquisadores do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (PROIN), um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Esses pesquisadores analisaram dossiês e arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops) com informações sobre operários, judeus, negros, mulheres, comunistas, fascistas, japoneses, alemães, lituanos, entre outros segmentos sociais. A organização do trabalho é da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP e coordenadora do PROIN. De acordo com Maria Luiza, algumas dessas pessoas chegaram a ser presas, outras foram apenas fichadas, mas passaram a ter suas atividades vigiadas pela Polícia Política.
De acordo com ela, a idéia do livro surgiu a cerca de 4 anos, quando a equipe do PROIN inventariava os documentos do Deops, identificando fichas de qualificação, relatórios policiais, Termos de Declaração, dentre outros. Muitos desses ativistas são "anônimos" da história de São Paulo e suas trajetórias nem sempre foram privilegiadas pelos historiadores: "Eram pessoas de vários segmentos da sociedade que "pensavam" uma nova cidade, uma São Paulo mais justa, mais igualitária, livre de injustiças. O livro foi pensado exatamente como um presente para a cidade", destaca Maria Luiza. A publicação é ricamente ilustrada e traz vasto material como jornais, panfletos, manifestos, gravuras, peças de teatro e poesias, entre outros itens, confiscados pelo Deops como prova de crime político.
Em um dos artigos do livro, "Um bonde chamado utopia", o autor Rodrigo Archangelo retrata o movimento sindical dos motoristas de bondes. Segundo a professora, a análise dos prontuários desses profissionais instiga o leitor a pensar o cotidiano da cidade: "Nas décadas de 1930-1940 constatamos um certo esvaziamento político por conta do autoritarismo, do anticomunismo e da xenofobia que persistiam durante o governo Vargas e também no pós-guerra. Os sindicatos estavam proibidos de "fazer política" e os grupos da esquerda revolucionária eram obrigados a atuar na clandestinidade. Estava proibido contestar o regime, instigar ou fazer greve ou qualquer outro tipo de manifestação contrária à ordem instituída. Mesmo dentro deste contexto de controle e de vigilância, um grupo de condutores de bondes ou mulheres do movimento feminista conseguiam distribuir panfletos reivindicando, entre outras coisas, folga semanal remunerada", destaca.
Em outro artigo, a pesquisadora Mariana Cardoso dos Santos Ribeiro fala sobre o "Mito da Nocividade do Estrangeiro". "Quando o vigiado pela polícia política era estrangeiro, caso fosse considerado subversivo, ele passava por um julgamento arbitrário, muito rápido e sem direito à defesa. Em nome da segurança nacional poderia ser expulso do Brasil através de um decreto assinado pelo presidente da República", conta.
Um outro grupo apresentado são os operários. Quem aborda o tema é o pesquisador Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci com o texto "Sonhos de Fumaça: operários artistas e intelectuais". O artigo trata das ideias ditas "subversivas" propagadas por intelectuais, artistas e dramaturgos que costumavam proferir palestras em vários espaços da cidade. Um desse locais era o Salão das Classes Laboriosas, no bairro da Sé, onde era comum encontrar o escritor Mário de Andrade e a pintora Tarsila do Amaral. "O texto também comenta sobre o operário e ator argentino Pedro Catallo, que criou diversas peças de teatro. Ele era sapateiro e fazia parte do movimento anarquista", conta Maria Luiza.
Da iniciação científica ao pós-doc
Os artigos que formam o livro foram escritos a partir das pesquisas que os autores desenvolveram no PROIN, sendo que muitos deles, hoje no doutorado — ou até pós-doutorandos — iniciaram os estudos ainda na Iniciação Científica durante a graduação em História, na FFLCH.
Para a professora, este dado mostra a importância da Iniciação Científica como uma forma de incentivo aos alunos da graduação. "O trabalho que eles desenvolvem no PROIN junto as Oficinas de História ajuda a formá-los como verdadeiros historiadores. É uma iniciativa que deveria ser aproveitada por outros cursos de história, de outras universidades, interessados em desenvolver projetos integrados com arquivos", destaca.
Os autores que assinam os textos são: Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci, Simele Soares Rodrigues, Roberto William Ferreira da Silva Biá, Márcio Santos de Santana, Rodrigo Archangelo, Edney dos Santos Gualberto, Vitor Marcos Gregório, Rodrigo Rodrigues Tavares, Priscila Ferreira Perazzo, Márcia Yumi Takeuchi, Erick R. Godliaukas Zen, Ismara Izepe de Souza, Ângela Birardi , Gláucia Rodrigues Castellan, Eduardo Góes de Castro, Luciana Pokorny Magalhães de Castro, Mariana Cardoso dos Santos Ribeiro, Renata Mazzeo dos Santos Ribeiro e Taciana Wiazovsky.
O lançamento do livro acontece no próximo dia 30, das 11 às 13 horas, no Espaço Café Flor da Estação Pinacoteca, no Largo General Osório, 66, Luz.
Imagens cedidas pela professora Maria Luiza Tucci Carneiro
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