sexta-feira, 28 de maio de 2010

STJ rejeita indenização a familiares de ex-fumante

ACT VÊ JUDICIÁRIO BRASILEIRO USAR DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS EM RELAÇÃO À INDÚSTRIA DO TABACO

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou nos últimos dias três pedidos de indenização contra a indústria do tabaco por males causados pelo tabagismo. 

As decisões foram duramente criticadas pela comunidade de saúde e controle do tabaco. Para a Aliança de  Controle do Tabagismo – ACT, esta decisão confirma um triste fato: não tem sido possível responsabilizar a indústria do tabaco pelos danos causados aos consumidores, ao governo e à sociedade.  

Na opinião da ACT, a interpretação da legislação feita pelos pareceristas contratados pela indústria, e assimilada pela jurisprudência brasileira, utiliza dois pesos e duas medidas, sempre a privilegiar a indústria em detrimento de suas vítimas. Além disso, ignora as evidências científicas que comprovam como a indústria enganou consumidores e governos deliberadamente quando internamente já sabia dos malefícios causados pelo tabagismo. 

"O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, só se aplica somente em benefício da indústria, seja para reduzir o prazo que alguém acometido de doença muitas vezes fatal tem para processar a empresa, seja para incluir o produto na categoria daqueles de periculosidade inerente ", explica Clarissa Homsi, coordenadora jurídica da  ACT.  Ela complementa: "Por outro lado, sem justificativa plausível, não se aplica o CDC para responsabilizar a indústria por nunca ter informado pelos danos do tabagismo; menos ainda para favorecer o consumidor no quesito relativo à inversão do ônus da prova. Ignora-se, ainda, a a responsabilidade objetiva prevista no CDC, que independe de culpa", afirma. Para esses intérpretes, segundo a advogada,  o CDC parece feito exatamente para isentar as empresas, não guardando relação com seu objetivo inicial: a proteção dos consumidores. 

Infelizmente, no voto do Ministro Luis Felipe Salomão, relator do primeiro caso, afloraram essas situações.

Em um dos casos, o autor, vencedor da ação em todas as instâncias anteriores, é portador de Tromboangeíte Obliterante, doença que tem como única causa o tabagismo, o que não impediu o relator do processo, Desembargador convocado Honildo Amaral de Mello Castro, de entender que "Não há como estabelecer o nexo causal entre o ato de fumar e doenças multifatoriais"

A situação é a mesma de dois anos atrás, quando a ACT lançou um levantamento das ações judiciais contra a indústria do tabaco,  feito entre 2006 e 2007, e que reviu 108 decisões proferidas em 61 ações contra Souza Cruz e Philip Morris nos estados do sul, sudeste e no Distrito Federal.   Pela análise foi possível verificar que a indústria tem sido vencedora na batalha judicial dos fumantes e seus familiares. Isso não se deve à ausência de normas que garantam a indenização do fumante. Segundo Clarissa Homsi, "nas relações de consumo, a legislação brasileira adota a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa. Portanto, independente da licitude da atividade, bastando a ocorrência do dano e do nexo causal entre ação/omissão do agente e o dano para que haja o dever de indenizar. Há, portanto, fundamento legal para a condenação da indústria." 

ALGUNS ASPECTOS DO ENTENDIMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

O documento da ACT analisou a posição do Poder Judiciário em relação a alguns aspectos relacionados ao tabagismo, tais como:  

·    Propaganda: As decisões entendem que a propaganda é lícita e regulamentada pela legislação, o que seria excludente de responsabilidade. No entanto, a propaganda passou a ser regulamentada há pouco tempo, na década de 1990, e até 2001 estava nos meios de comunicação de massa.  As decisões negam o efeito da publicidade como indutora do ato de fumar com base em  estudos apresentados pela indústria que afirmam que se começa a fumar por influência do meio social, como se o meio social não sofresse intensa influência da mídia, propaganda aí incluída.

·    Advertências sobre os malefícios do cigarro: O judiciário  tende a excluir  o dever de indenizar em razão de as advertências sanitárias estarem estampadas nos maços e nas propagandas, pois crê que elas são suficientes para informar sobre os males do fumo. Adota o mito do senso comum de que os malefícios à saúde são conhecidos há muito tempo e de forma suficiente pelos fumantes, que fumariam porque querem. Ou seja, a culpa é exclusiva da vítima. Neste ponto, o Judiciário deixa de considerar que, quando a maioria dos autores das ações começou a fumar, a propaganda era maciça e não havia imagens de advertências, iniciadas em 2001. Também não considera que a indústria manipulava as informações e os estudos científicos que começavam a relacionar o cigarro a doenças e tentava manter a idéia de que os males à saúde eram uma questão em aberto. Ademais as pessoas podiam saber, genericamente, que o cigarro faz mal à saúde: mas que males? Quais as chances de ser acometido? Qual o risco pessoal sofrido? Essas informações as pessoas não tinham, e talvez ainda não tenham completamente.

·    Dependência da nicotina: As decisões vêem o fumante como um fraco, culpado pelos resultados de seu vício. O Judiciário aponta  não haver maiores dificuldades para superar a dependência. Há decisões que chegam a afirmar que a nicotina não cria dependência, contrariando o que está reconhecido pela ciência e pelo Ministério da Saúde brasileiro. Ignoram que somente de 3% a 5% das pessoas conseguem parar de fumar sem auxílio médico.

·    Desqualificação dos laudos médicos e perícias: As provas que ligam o uso do cigarro à doença ou morte do fumante são muitas vezes desqualificadas pelo Poder Judiciário. A indústria, por meio de seus peritos  dissemina a informação de que as doenças associadas ao cigarro são multifatoriais. O Judiciário deixa de aplicar a sistemática do ônus da prova prevista no CDC: In dúbio, pro consumidor, e não considera demonstrado o nexo de causalidade, entendendo que o cigarro não é causa necessária e suficiente para o dano sofrido.

A indústria do tabaco, por ter centenas de ações contra si propostas só no Brasil, tem intenso Knowhow para se defender e pode ser considerada um grande "ator judicial", dispondo de defesa bastante especializada.

Só isso já coloca fumantes e familiares em situação de desvantagem judicial, já que muitas vezes não têm como trazer ao Judiciário informações que são essenciais para o julgamento, como, por exemplo, sentença norte-americana confirmada em corte de apelação que considerou as multinacionais do setor, com subsidiárias no Brasil, como vetores da epidemia tabagística no mundo e, com base em análise de milhares de documentos secretos hoje trazidos a público e em depoimentos de executivos das empresas, confirmou que as multinacionais agiram de forma global e em conjunto para fraudar e enganar governos, consumidores e opinião pública, utilizando estratégias para desinformar, confundir e desacreditar pesquisas científicas que vinculavam o cigarro à dependência, doença e morte. E não só nos EUA, mas em todos os lugares em que atuam, Brasil incluído.

O Judiciário brasileiro não tem o quadro completo da situação e seu julgamento reflete a desigualdade de armas das partes em conflito.

A pesquisa da ACT pode ser acessada na íntegra em: http://www.actbr.org.br/uploads/conteudo/194_117_A-Industria-do-Tabaco-no-Poder-Judiciario.pdf

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