terça-feira, 11 de junho de 2013

Estudo da FEA mostra que benefício da meia-entrada, na prática, não existe

Pesquisador Carlos Martinelli comprova que total de ingressos com semigratuidade pode chegar a 80%, o que inviabiliza o desconto real

No momento em que o Congresso discute o Projeto de Lei 4.571 (2008) que regulamenta a concessão de meia-entrada para idosos e estudantes e estabelece um limite de 40% dos ingressos disponíveis para a concessão do benefício, um estudo do pesquisador da área de contabilidade Carlos Martinelli, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEAUSP), encontrou evidências de que o atual sistema de meia-entrada no país apresenta falhas e tem benefício real duvidoso. Como consequência da falta de “cotas limite” para a venda de ingressos de meia-entrada, o levantamento mostra que muitas vezes “a fatia dos beneficiários chega a beirar entre 70 e 80% do público total pagante”, o que eleva o valor do ticket médio e provoca “desequilíbrio e inevitável falência de transferência de renda”.

Em seu estudo, intitulado “O Impacto da meia-entrada na precificação de ingressos e no planejamento estratégico de companhias de entretenimento”, que teve a orientação do Prof. Edgard Cornacchione Jr., Carlos Martinelli cita a declaração de um promotor de eventos como evidência de que a meia-entrada foi descaracterizada ao longo do tempo: “Quem acha que paga meia-entrada, na verdade paga quase inteira. E quem paga inteira, na verdade paga quase o dobro”. A pesquisa aponta, inclusive, a existência da expressão “Meia Para Todos”, indicando que a extensão da concessão do desconto de 50% no valor dos ingressos tornou-se uma prática muito comum em eventos culturais, artísticos e esportivos em todo o Brasil.

Atualmente, a única lei federal que trata do assunto é o Estatuto do Idoso. Recentemente, o Senado aprovou o Estatuto da Juventude, que fixa uma cota de 40% dos ingressos de eventos artístico-culturais e esportivos reservada para os estudantes. O mesmo texto prevê a ampliação do direito à meia-entrada a jovens de baixa renda, com idade até 29 anos. A concessão de eventuais descontos a outros grupos fica facultada aos Estados e Municípios. Geralmente, o benefício é concedido também a menores de idade, professores, deficientes físicos, doadores regulares de sangue, entre outros.

Salvo exceções como Pernambuco e Rio Grande do Sul, as leis não estabelecem limites de porcentagem de público pagante, havendo portanto a possibilidade de a totalidade dos ingressos serem vendidos pela metade do seu preço de face. “Uma vez que nenhuma das leis pesquisadas impõe qualquer tipo de contrapartida financeira por parte dos governos que as estabelecem, a dedução lógica é a de que cabe ao promotor do evento a tarefa de precificar o ingresso de forma a viabilizar o benefício da meia-entrada por meio de transferência de renda pura e simples: entre quem não faz uso do benefício e quem o faz”, alerta o pesquisador. 

Martinelli explica que a porcentagem esperada de público pagante de meia-entrada já é considerada na formação do preço final dos ingressos. Por exemplo, se a expectativa de adesão da meia-entrada é de 70%, esse percentual é utilizado para calcular o valor do ticket médio, com o valor da “inteira” subsidiando o valor da “meia-entrada”.   O valor do ticket médio é estabelecido de forma a viabilizar financeiramente a realização do evento. Os custos do evento são calculados com base no cachê do artista, nos custos do local e estrutura, produção, custos de divulgação e custo logístico (transporte/hospedagem) para artistas estrangeiros e de outras localidades.

“A ausência de contrapartidas dos governos e cotas limites inviabiliza o benefício do desconto efetivo que, para porcentagens altas de adesão de meia-entrada, praticamente inexiste. Quando existe, jamais chega a 50%. Portanto, não se paga ‘meia’ em ingresso algum”, conclui o pesquisador da área de contabilidade Carlos Martinelli.

Cacilda Luna | Imprensa/FEAUSP